sábado, 14 de fevereiro de 2009

do Pessoa, para a pessoa - (partes que me falam)

TABACARIA

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
(...)
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
(...)
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
(...)
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
(...)
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
(...)
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
(...)
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

O reino do possível


Por Ney Gomes

Certa vez li uma frase inquietante, cujo autor não faço a mais pálida idéia, diz a intrigante frase: “o impossível é algo que não se tentou com afinco”. A frase me intriga, pois em minha curta vida, rica em minhas experiências, deparei-me muitas vezes com o impossível, com o irrealizável. Em verdade, para meu limitado mundo, conceber o impossível é até fácil. Contudo, conheço um mundo impróprio para o impossível, mundo onde a palavra improvável não alcança qualquer ar de adjetivo: a literatura.

Na literatura tudo, absolutamente tudo, é possível, até Deus pode pecar nas plagas de uma boa estória. A literatura não tem qualquer compromisso com o plausível ou o só imaginável. Não, absolutamente. No mundo das linhas e páginas o compromisso é com a construção, sem regras absolutas ou verdades incontestes, de mundos e personagens, estórias, descrições e narrações.

É certo que literatura não pode ser feita “nas cochas” e que além de talento exigi-se esmero e observância de algumas regras, que, repito, não são absolutas e incontestes.

A palavra Literatura vem do latim "litterae", "letras", é possivelmente uma tradução do grego "grammatikee". Em latim, literatura significa uma instrução ou um conjunto de saberes ou habilidades de escrever e ler bem, e se relaciona com as artes da gramática, da retórica e da poética. Por extensão, se refere a qualquer obra ou texto escrito, ainda que mais especificamente à arte ou ofício de escrever de forma artística ou às teorias e estudos sobre tais obras.

Mais importante que definir “o que é literatura” seria definir porque a literatura é considerada arte, contudo, não farei nem uma coisa nem outra. Vou falar do prazer que a leitura, por conseguinte a literatura, pode proporcionar... segundo Henry David Thoreau "Muitos homens iniciaram uma nova era na sua vida a partir da leitura de um livro". E isso acontece pelo poder que alguns livros têm de influenciar, de comover e dar outros rumos ás idéias. Uma outra frase sobre literatura é bem emblemática: "A literatura, como toda a arte, é uma confissão de que a vida não basta", esta frase foi dita por Fernando Pessoa, o poeta da alma grande.

Eu diria que a primeira regra para definir porque um livro deveria ser lido seria a quantidade de prazer que ele poderá proporcionar ao leitor. Contudo, em tempos.

Os russos... ah, os russos.


Minha dica literária desta semana é literatura Russa... tudo quanto se entende por russo.

Desde que comecei a coluna estou sempre falando de literatura não ocidental. Antes dei como dica Kawabata, grande escritor japonês do séc. XX, depois indiquei as fantásticas histórias das mil e uma noites, clássico árabe por excelência – sobre o qual voltarei a escrever. Desta feita vos indico os Russos.

Haverá qualquer de vós que protestará e dirá que os clássicos russos sempre estiveram, desde o novecentos, no panteão dos clássicos ocidentais. Mas, como quem vos escreve sou eu, e posto que não busco concordância ou aprovação, reservo-me no direito de classificar como quero.

Literatura russa é russa, antes de ser qualquer outra coisa, é Russa... É daquela parte da terra onde a palavra infinitude traduz-se como lugar.

O genérico da dica é justamente “literatura russa”, e o particular é que indico a leitura de Gorki.

É possível, e provável, que muitos nestas bandas tenham passeado pelas novelas de Dostoievski; ler um conto de Tchekhov é coisa que fazemos desde a série “Pra Gostar de Ler”, Anna Kariênina virou até filme, e assim Tolstói não é mais tão desconhecido. Mas, Makisim Gorki foi pouco traduzido por estas bandas, fora qualquer conto seu – há que se notar que ele não é dos melhores contistas russos, fora sempre ofuscados nesta arte por Tchekhov – posto em séries intituladas genericamente “Contos Russos”, “Os 100 melhores bla, bla...” ou “autores russos”.

De fato, meu primeiro contato com ele foi através de “O Espião”, livro traduzido em Portugal e que me chegou ás mãos por um destes tantos golpes que a sorte nos prega (não há tradução no Brasil e a edição portuguesa esta esgotada a mais de 20 anos). Depois ganhei “A Mãe”, traduzido diretamente do russo por uma editora russa e dado de presente a membros do partido comunista brasileiro na década de 50.

A editora Cosac Naify, que a meu ver é a melhor casa editora do momento, lançou, com fantástica tradução, a trilogia clássica de Gorki: Minha Infância, Ganhando Meu Pão e Minhas Universidades.

A edição pode ser comprada em um caixa com os três livros, ou separadamente (advirto que não custa parcos reais), mas vale a pena.

A narrativa é cheia de emoção e melancolia. Constitui também uma autobiografia, cheia de vida, e por isso mesmo, cheia de dor, desesperança, desvario, humanidade, sonhos... Uma vida contada sem meias palavras, com poucos floreios, onde final feliz não se espera.

Uma forma russa, gorkiana, de contar.

Vale fazer duas notas importantes:

Os prefácios e posfácios são muito bons; o primeiro e o terceiro livro são traduções de Rubens Figueiredo, e o segundo é de Boris Schinaiderman, dois bons tradutores, talvez os melhores do russo ao português, mas com estilos e formas bem distintos. Não chega a comprometer, mas depois de ler o primeiro livros, com a fluidez que nos dá Rubens, cansa um pouco os excessos de erudição do Boris, mas depois se chega novamente à fluidez da tradução do Rubens no terceiro livro.

Vamos à leitura.